Monday, November 28, 2005

Abra os olhos!

Encostado na janela, sentido doerem os cotovelos, ele fumava o último cigarro da carteira amassada vendo o sol, seu velho companheiro, nascer aos poucos, dissipando o breu da noite.
Nunca dormia. Para ele, a frase tinha o sentido mais literal possível. A primeira a notar foi sua mãe, quando tentou fazer-lhe pregar os olhos, depois que chegou da maternidade. Inutilmente. Quando aquele mesmo sol então saiu, a mãe roncava copiosamente na cadeira de balanço, com o bêbê em seu colo. Alerta.
O homem sorriu ao lembrar-se, era impressionante como tinha as imagens claras em sua cabeça depois de tanto tempo, mesmo não tendo, na época, muita consciência pra compreendê-las.
Apagou o que restava do cigarro na borda da janela quase ao mesmo tempo em que o galo cantou. Era domingo, e ele ouviu o tranco das rodas de uma bicicleta. O menino do jornal lhe cumprimentou ao passar. Dessa vez não perguntou se ele renovaria a assinatura. Talvez estivesse cansado de ouvir negativas.
A infância foi outro tormento. Os pais cansaram-se de reinventar finais para as histórias infantis, misturando personagens, noite após noite; a quantidade de ovelhas que pularam as cercas em sua cabeça dava pra afundar frotas de transatlânticos. Nada adiantava. Foram litros de leite quente, baldes de chás de ervas, sucos de plantações inteiras de maracujá. Nada. Os olhos do menino eram fogueiras eternas, estalando pra sempre na escuridão do quarto.
Ele correu pra cozinha ao ouvir o leite quente chiar, derramando-se no fogão. Um costume antigo. Inútil, como a maioria dos costumes.
A adolescência veio mais branda: as noites em claro, agora aceitas, por vezes até necessárias, deram ao rapaz uma aura de superioridade frente aos outros colegas que dormiam. Destacou-se no serviço militar, já que era sempre recrutado para ficar de guarda. Diferente dos outros, nunca dormia.
Derramou o leite ainda quente na xícara velha e voltou pra janela. O sol já estava em pé. Ergueu-lhe um brinde e virou a bebida de uma vez. Só aí começou a sentir uma dormência leve no braço esquerdo.
Na idade adulta assustou um pouco a esposa ao permanecer acordado na noite de núpcias. Porém, com o tempo, ela acostumou-se. Na verdade, essa característica foi muito útil quando vieram os primeiros filhos.
A dormência do braço começou a descer-lhe pelo peito, numa dor aguda e ele foi perdendo a respiração, aos poucos, sentindo as pernas bambearem. Soltou a velha xícara, que se partiu na queda.
Os filhos cresceram, todos sadios, e saíram de casa. A esposa tinha falecido uns dois anos atrás. Agora ele estava só, a não ser pela presença certeira do sol, que o visitava a todo novo dia. Antes de cair conseguiu gritar, o que chamou a atenção dos vizinhos, os quais, algumas horas depois, derrubaram a porta e o encontraram no chão. Ele ouviu o desespero, a sirene da ambulância. Sentiu a força das mãos que os suspenderam e o levaram até o hospital. Mas a sua boca não conseguia produzir nenhum som.
Só quando o frio da maca do necrotério queimou-lhe as costas e tudo escureceu com a batida da porta da geladeira dos cadáveres, foi que ele percebeu o quão profunda seria a sua insônia.

4 Comments:

Anonymous Anonymous said...

rapaz, num li o txt naum, mas passei aqui pra registrar que o PLOG, logo logo, segue o mesmo caminho do Anjo Pornográfico. saudades, benjamim!

9:59 AM  
Blogger Ordisi Raluz said...

Olha só, Márcio: aqui abro direto a caixinha da comentários! Abração e boa sorte.

11:30 AM  
Anonymous Anonymous said...

Cade meu link porra!!!!!!!!!!!
Devolve meu dinheiro!!!!!!!!

12:32 PM  
Anonymous Anonymous said...

que agonia!!cruel demais...
meu querido,legal ficou sua casa nova..boa sorte,se precisar de pó de café,açúcar ou leite quente,só bater,tá?rsss
lindos dias!
beijossssssssssss

2:24 PM  

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