Tuesday, November 29, 2005

Adormeça


Ela estava deitada na cama com o cobertor na altura do peito. Apertava-o com tanta força que os nós dos dedos estavam quase brancos. Era muito tarde. O silêncio era total. Só se ouvia o vento esfregando os galhos da árvore grande do quintal em sua janela . Depois, nem isso. A falta de ruído a assustava ainda mais. Trazia-lhe insegurança. Era como uma conspiração. Ouviu um murmúrio embaixo da cama. Puxou mais o cobertor. Pensou em chamar pela sua mãe. Mas o grito parou na garganta quando se lembrou da última vez que a chamara. Ela veio correndo, acendeu a luz e não havia nada no quarto. Nem embaixo da cama. Nem na janela. Ela se sentiu ridícula. Mas hoje era diferente. Havia algo no quarto. Não embaixo da cama. Nem na janela. Mas no quarto. Ora, que bobagem, na verdade existiam muitas coisas no quarto, claro. Ela tentou acalmar-se procurando identificar as sombras. A boneca velha. A vitrola. Os livros do colégio. O violão. A roupa pendurada no armador. Enquanto percorria os olhos pelo quarto respirava devagar. Pensou em cantarolar uma música. Mas, não, seria ridículo. Já era quase uma mocinha. O vento realmente parara.

O barulho embaixo da cama recomeçou. Um ruído leve. Quase imperceptível. Se não estivesse tanto silêncio. Procurou descansar de verdade. Esquecer tudo isso. Não havia ninguém no quarto e pronto. Não havia nada embaixo da cama. Como sempre. Ela sorriu e fez uma brincadeira tantas vezes repetida: fecharia os olhos, quando os abrisse, haveria apenas seu quarto, nada mais. Nenhum barulho estranho. Apenas o seu quarto. Fechou os olhos sorrindo.

Sentados na cama e espalhados pelo quarto estavam todos eles. Esperando pelo momento em que ela abrisse seus olhos.

6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Pulgas ou demônios, caro colega? hehehe. Márcio Hitchcok rides again! Abração.

7:50 AM  
Anonymous Anonymous said...

Top de linha, Márcio. Merece figurar numa coletânea impressa ou onde mais vc desejar.
Abraço,
Lecy

9:05 AM  
Blogger pablocapistrano said...

me lembrou a grande lição do HP Lovecraft sobre histórias de horror, sempre deixar espaço para o indeterminado, que é o lugar no qual o leitor deposita seus próprios medos.
parabéns.

10:30 AM  
Anonymous Anonymous said...

aff!arrepiei imaginando quando ela abrir os olhos,nem quero saber quem eram eles.....nem quero!!
linda noite quase dia meu querido!!
beijossssssssss

5:30 PM  
Anonymous Anonymous said...

Márcio, estou lendo seu texto e é meia noite. Eu tinha tentando dormir há minutos atras e não consegui. Vim pra net tentar esperar o sono chegar de verdade, pra poder ir me deitar de novo. Aqui está o maior silencio do mundo...tem um carro com o alarme disparado e...enfim. Já deu pra perceber como ODIEI ler esse texto AGORA, porra? Hahahahahaha! Vou me deitar lembrando dessa menina assustada...aiaiaiaiaia...mais uma noite em claro e agora: GRAÇAS A VOCÊ. Cachorro! Hahahah.

7:04 PM  
Anonymous Anonymous said...

Eu lembro desse lá do Anjos de Prata... véinho, véinho! Mas não menos perfeito! Adoro seus textos, apesar de ter me cagado de medo da primeira vez que li isso. Tu sabe como eu sou mole.
Abração!

7:53 PM  

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