Monday, December 05, 2005

O vencedor


Era sábado. O apartamento estava silencioso e escuro, como ele gostava. Ou como se acostumara. O estalar de seus dedos no teclado limitando-se ao seu escritório; a luz azulada da tela do computador espiando discreta por debaixo da porta. Como ele aprendera a gostar.

Era sábado à noite e seu telefone permanecia mudo; sua secretária eletrônica lhe sorria um definitivo “não existem mensagens”. Com o tempo, passou a considerar tal aviso como um “bom dia”, ou mesmo um cordial “tudo bem?”. Vez por outra, até porquê não era louco nem nada, passava uns bons minutos dialogando com esta mesma secretária assim que ela lhe confirmava a ausência de mensagens.

Era quase domingo quando a quietude do apartamento começou a berrar em seus ouvidos. Perdeu de leve o fôlego e clicou, trêmulo, no botão de saída da sala de bate-papo. A página lhe pedia para confirmar o código exibido, se quisesse entrar de novo. Era necessário; precisavam saber se ele era realmente uma pessoa de verdade. Sorriu patético. Como um grupo de letras e números confusos poderia dar-lhe uma existência real? Nem ele mesmo tinha mais certeza se era uma pessoa de verdade. As pessoas de verdade, num quase domingo como aquele, estavam dançando nas boates, bebendo nos barzinhos. Ora, as pessoas de verdade tinham mensagens em suas secretárias eletrônicas, nos seus celulares. Recebiam e-mails pessoais, não só malas diretas oferecendo programas milagrosos de emagrecimento.

Já era domingo quando ele sacudiu esses pensamentos, abriu o mais conhecido fórum de interelações de toda a Internet e agiu, meio sem pensar. Em instantes, criou. Nem gorda nem magra. Branquinha, de cabelos vermelhos que refletiam o poder de sua personalidade. Era o seu oposto.

O sol de domingo já começava a entrar de leve pela janela quando ele começou a checar seus e-mails, seus scraps. Surpreendeu-se ao encontrar uma caixa cheia deles, com assuntos como “meu amor”, “te amo” e “pra sempre” iluminando seu monitor; mensagens de amor rasgadas, abertas aos olhos de seus poucos amigos. Emocionado, as respondeu uma a uma antes de levantar-se da cadeira para começar o dia.

Naquela manhã, preparou a si mesmo um suntuoso café. Fritou ovos, queijos, presuntos, espremeu laranjas, e abriu o saco de pães assobiando a marcha imperial do Star Wars. Ele merecia. Era um vencedor.

Quando alcançava a última nota da melodia, já pronto para ligar seus propulsores imaginários e seguir desbravando a galáxia, ouviu o telefone tocar. Parou de súbito com a frigideira na mão e o bico do assobio. Agia, na verdade, como se nunca tivesse ouvido um telefone tocar.

Praticamente jogou a panela em cima da mesa e correu ao telefone que berrava. Puxou-o pelo fio e o atendeu. Do outro lado, uma voz feminina lhe perguntou como passou a noite. Já acostumado aos telemarkentings da vida, ele se desculpou e quase o recolocou no gancho. Até que a moça, por entre sorrisos, lamentou: não se lembrava dela? Sentiu o rosto queimar de vergonha. Como reconhecera a voz da mulher de sua vida? Sentou-se no sofá e começou uma longa conversa sobre tudo e nada, sentindo-se estranhamente à vontade. Tão à vontade que não atentou para o fato de que nunca tinha dado a ninguém seu número de telefone.

Era quase de tarde já quando a conversa acabava. Ele tinha a orelha adormecida e quente. Ou as orelhas, já que mudara constantemente o telefone de uma a outra. Mas as surpresas não acabaram aí. Antes de desligar, a mulher de sua vida perguntou-lhe se gostaria de fazer algo naquela noite. Algo tranqüilo e carinhoso. Um programa de casal. Ele concordou, de imediato. Ela se despediu com um beijo e marcou o encontro para as sete da noite, no apartamento dele.

O homem levantou-se, radiante, e deu alguns pulos antes de recomeçar a marcha imperial. Ele, definitivamente, merecia. Não era um vencedor, era o vencedor. Deu uma olhada na casa para começar a arrumá-la, afinal não faltava tanto assim para o horário estipulado. Estava plenamente satisfeito. Tão satisfeito que não percebeu: a mulher da sua vida não perguntara o seu endereço. Na verdade, ele nunca tinha dado a ninguém o endereço de sua casa.

Eram precisamente sete da noite quando ouviu a campainha tocar. Já arrumado e perfumado, com a casa reluzindo de tão organizada, foi até a porta e a abriu. Encostada na parede, apoiando-se no ombro direito e brandindo um bom vinho na mão, estava ela. Ele perdeu a voz ali mesmo. Sem perguntar se poderia entrar, a mulher invadiu o apartamento e deu início ao que foi a melhor noite de sua vida. A primeira.

Era quase segunda quando ele abriu os olhos, relaxado: era mesmo o maior homem de todos. Ah, se seus colegas de trabalho o vissem agora. Nunca mais o irritariam com brincadeira cretinas e piadas de mau-gosto. Ele sentiu o toque dela, arrepiou-se com a sua respiração no pescoço. Depois, um sussurro delicado pedindo para usar o computador. Precisava olhar uns e-mails meio urgentes. Ele concordou com a cabeça, caindo no sono outra vez, embalado pelo sapatear daqueles dedos magníficos em seu teclado. Estava com tanto sono que não percebeu que nunca, nunca na vida, tinha dado a ninguém a senha do seu computador.

Já era segunda quando a mulher da sua vida abriu o mais conhecido fórum de interelações de toda a Internet e procurou pelo perfil dele. Sorriu ao confirmar as suas comunidades: “solidão”, “morar só”, “engenharia da computação”, “star wars”. Buscou nos amigos dele e encontrou seu próprio perfil. Desceu o mouse e clicou em excluir.

Lentamente, o pano do lençol foi murchando como uma bola de aniversário. Em segundos, sem resistência, o tecido já cobria toda a cama. O homem tinha sumido para nunca mais voltar. Quem acessasse o seu perfil do fórum naquele instante, encontraria um rosto magro, amassado de sono, assustado, vestindo apenas um lençol branco, como um senador romano. Muito pouco sedutor, na verdade.

A mulher se despediu da foto com um beijo no monitor antes de o desligar de vez. Levantou-se e foi até a cozinha. Tinha muito o que fazer.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Eita djabo! Acho que não entendi o final...li três vezes...acho que tô meio doida hoje...tô entendendo nada...hahahaha. Beijão

4:10 AM  
Anonymous Anonymous said...

Tava precisando me colocar em dia com seu blog! 2 textos novos que eu não tinha lido, que absurdo! Adorei os dois. Nesse último tu colocou teu lado nerd pra fora, né? Star Wars, sala de bate-papo, orkut, Los Hermanos (O Vencedor seria uma referência a eles?)... bem, o que interessa é que tu é foda, meu amigo. Foda.

10:02 AM  
Anonymous Anonymous said...

quem deletou quem??
a mulher se deletou do perfil dele?
ou ele foi deletado do perfil dela?
humm,não entendi...foi mal!
beijossssssssssss

3:10 PM  

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