Friday, May 16, 2008

Em segundos


Lá bem no fundo está a morte, mas não tenha medo
Cortazár
Dez e quinze – marcava o relógio grande da sala.
Imponente e decidido, o objeto fazia coro com o estalar dos dedos dos funcionários em seus teclados.
Com o deglutir da água no filtro.
Com a compassada pisada dos saltos, dos sapatos.
Uma hora e quarenta e cinco ainda para o almoço, para o banho, para o sono.
Dez e quinze.
Normalmente absortos em seus serviços, eles àquela manhã agiram diferente, hipnotizados pelo arrastar vacilantes dos ponteiros.
Limparam gavetas, organizaram pastas, reviram relatórios, leram e-mails.
Mas o tempo não passou.
Angustiada, a secretária roía as unhas, já aflita demais para fazer o tempo passar da forma mais simples e produtiva. Trabalhando.
Dez e quinze.
O rapaz das entregas já não tinha o que entregar àquela manhã e parecia respirar fundo a cada passo do relógio.
Mas os ponteiros.
Os ponteiros não pareciam... caminhar.
Pareciam?
Impressão.
Foi o que o contador notou, com o seu pragmatismo habitual. Mas não repassou aos outros. O achariam ridículo. E ele não saberia lidar com isso. Haveria de surgir alguma explicação lógica. Qualquer explicação lógica.
Um pouco menos racional, a estagiária já respirava fundo, pesado, ao voltar do banheiro, onde lavou o rosto. E precisou sentar-se.
Maternal, a secretária ofereceu-lhe um copo com água.
Agarrada ao vidro com as duas mãos, precisou de toda a sua tranqüilidade para.
Dez e quinze.
Tec. Tec.
Estalava a máquina de calcular produzindo papéis de contas inúteis.
Tec tec.
Sapateavam os dedos da secretária sobre o teclado digitando intermináveis e ilegíveis sentenças.
Tec tec.
Batiam os dentes da estagiária.
Dez e quinze.
É o que clamavam todos os relógios em computadores, pulsos, paredes.
Dez e quinze.
Corajoso, dirigiu-se o entregador ao vidro da janela, afastando a persiana, assustando a secretária.
A espera pela abertura da cortina roubou a atenção de todos na sala, substituindo os imóveis ponteiros do relógio.
Mas, nada.
Não havia nada de peculiar no mundo lá fora. As pessoas continuavam as suas vidas, correndo, andando, pegando ônibus, cortando outros motoristas no trânsito.
Nada de peculiar a não ser o fato, sabido por todos, que eram irremediavelmente dez e quinze da manhã.
A chegada daquela informação aos cérebros de todos, como uma tétrica espécie de consciência coletiva foi demais para alguns.
A estagiária quase não conseguia conter as lágrimas.
Mas o bom senso falou mais alto, afinal.
Ora, todos ali ansiavam por uma promoção e não seria uma situação como aquela que colocaria tudo a perder, não é mesmo?
Respiraram fundo. E voltaram a refazer os seus afazeres.
- A hora não passa. – foi o que se dignou a dizer a secretária.
Os outros responderam em resmungos.
Mal sabia ela o quanto estaria certa.
Foi o que, sem saber, pensaram todos naquela manhã. Presos eternamente em uma prisão de vidro, de onde nunca mais conseguiriam fugir.


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