Erva Botão
- Mais chá?
Antes que sua tia respondesse, a moça despejou na xícara um pouco mais do que gostaria.
Era então o começo da tarde, e aquela senhora tinha recebido uma angustiante chamada da sobrinha, que insistia em encontrar-lhe para um chá.
Pela primeira vez em todos esses anos.
-Te chamei aqui pra você me dizer que eu não estou louca.
A tia ainda abriu a boca para responder qualquer coisa, mas foi interrompida.
-Pensei que fosse coisa da minha cabeça.
Como se tivesse sozinha na sala, a moça perdeu seus pensamentos entre as folhas da planta grande, sentindo-lhe a textura levemente áspera com a ponta dos dedos.
Sem saber ainda o que dizer, a visita apenas a olhava, com a grande xícara branca esfriando nas mãos.
-Eu lembrava dessa planta menor – disse-lhe, procurando desfazer o constrangimento.
-Era menor. Era bem menor. Trouxe num saquinho, desses de supermercado mesmo. Achei quase na rua. Cortei um galhinho com a mão mesmo, do quintal da casa abandonada.
Desistindo de segurar a xícara, a tia a pôs na mesa. O que fez tilintar a colherzinha.
Desistindo de segurar a xícara, a tia a pôs na mesa. O que fez tilintar a colherzinha.
-Eu não sei onde eu estava com a cabeça. Nunca gostei dessa coisa de planta.
- O apartamento é pequeno.
-Sim. Ela está tomando conta de tudo. Percebe?
Como responder a uma pergunta dessas?
- Está ficando difícil de respirar. Sente?
Assustada, a tia calou-se, tentando a todo custo disfarçar a pena no olhar. Mas tornou-se impossível assim que percebeu as caixas vazias de remédio sobre a mesinha do telefone, adornadas com funestas tarjas pretas.
-Eu lembrava da planta menor. – era só o que conseguia repetir.
- A planta era menor.
-Com menos folhas.
- Ela tinha menos folhas. Até ontem.
Angustiada, a senhora agarrou-se a alça da bolsa.
-Leva embora, tia, por favor.
-A planta?
- Leva pra bem longe daqui.
- Se isso vai fazer você se sentir melhor.
-Eu moro só, tia. O apartamento é silencioso. À noite eu posso ouvi-la respirando.
Sem saber o que dizer, a senhora levantou-se, e deu um longo beijo na sobrinha.
-Eu volto em breve. E levo a planta.
-Ela respira, tia. A planta respira à noite.
A porta foi aberta. Despediram-se.
Por entre o elevador, a tia já não precisava mais conter as lágrimas. Saiu de lá sem atender a nenhum pedido da sua sobrinha. Não conseguiu levar a planta. Não conseguiu dizer-lhe que ela estava sã. Voltaria em breve, sim. Mas com um médico.
De dentro do apartamento, a moça engasgava mais uma vez, ajoelhada no vaso sanitário. Dentro dele, boiava uma água esverdeada, boiavam algumas pequenas mudas que escorregavam de sua boca.
- Não adianta. – conformou-se.
Na sala, a planta já espalhava-se decidida por todo o âmbito da diminuta sala, serpenteando em direção à fresta da porta do banheiro.
12 Comments:
Assim o Cortázar vai morder o cotovelo! bjos saudosos
putz, amanhã será tarde e a moça estará completamente verde :(
beijossss
Alucinógenas eram as bolas que ela tomava.
Quanto à caixa, pode abrir. Mas te responsabiliza pelas conseqüências.
rsrsrsrs.
Saudades dos textos teus.
São fantasticamente fantasmagóricos.
Bjs.
Massa tua continuação. já escrevi a continuação dela. Vai lá.
Ei mocinho. Tenho sim. E eles são lindos.
Bjs.
Que belo curta daria!
Sinistro Márcio, me lembrou Invasores de Corpos, uma velha série de ficção dos oitenta que me deixava algumas noites sem dormir, desconfiando de qualquer plantinha inocente.
ainda mais para um chazofilo como eu.
Shabat Shalom
keep on the beat!
Sempre que você passa
Eu estou a te admirar
Quando esta sem graça
Tento te acalmar
Eu vivo por você
Sou seu anjo da guarda
Mas você nunca me vê
Sou sentinela dos sonhos...
Márcio, sem sei se o Barbarito é do buena vista social clube. pode ser que seja. parece que é um cantor muito popular em cuba.
Consegui. a mp3 já está lá. Ouça!
hoje, moça.
amanhã, trepadeira.
nada mal.
conto novo por lá
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