Friday, December 29, 2006

Carrossel


“Bem alto.”
Era o que pedia o menino, tentando segurar-se ao balanço. Os pequenos dedos, grudados de algodão doce, já escorregando nas fibras invisíveis do ferro colorido.
Os barulhos perturbadores dos brinquedos misturavam-se, alucinados, às suas risadas enquanto ele subia.
A visita ao parque itinerante fora uma surpresa, um pequeno presente de aniversário dado pelos pais sem condições. Singelo, mas perfeito, atingindo com uma precisão cirúrgica os limites de seus desejos de criança.
A sensação de liberdade experimentada pelo vento batendo em seu rosto era cadencialmente substituída pelo delicioso frio na barriga que lhe causava o retorno do balanço, quando, arremessado de costas, percebia o chão sumindo bem embaixo dos seus pés.
“Bem alto”
Totalmente absorto em seu mundo particular, não percebeu que já não havia mais mãos a lhe empurrar.
Longe demais, não atentou para o semblante angustiado dos cavalinhos presos ao carrossel na entrada do parque. Perfurados e atados, giravam eternamente nos limites claustrofóbicos daquele círculo.
“Bem alto”
Até que o balanço parou.
E não havia mais criança dentro dele.
“Bem alto”
No círculo do carrossel, mais um cavalinho percorria agora aquele caminho sem fim. Junto aos outros, tinha uma expressão atônita no rosto reluzente.
Afinal, não teve lá muito tempo para pensar: o carretel mecânico disparara e a sua monótona canção enchia de melancolia o ar do velho parque, agora abandonado.
No círculo do carrossel o mais novo cavalinho iniciava a sua jornada sem fim numa inútil busca pelo fim-começo daquele moto-perpétuo.
“Bem alto.”


9 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Aff! eu só passei pra desejar um bom 2007...
Putz, nunca gostei do carrossel, me dá vontade de vomitar:(
bons dias querido
beijosssssssss

11:00 AM  
Blogger Chica said...

lembrei do pinóquio. ai.

5:12 PM  
Anonymous Anonymous said...

"embarque neste carrosel...". Muito bom. é muito difícil fazer ficção utilizando temas e visões infantis. você fez muito bem. Parabéns!

10:17 AM  
Anonymous Anonymous said...

E véja só a resenha que escreveram sobre os Contos Bregas:

http://musicapopulardobrasil.blogspot.com/2007/01/dos-contos-bregas-ou-daquilo-que.html#links

Fiquei emocionado!

4:27 AM  
Blogger b.ponto said...

sinistro...

12:04 PM  
Blogger Unknown said...

Belo conto! É a vida... cheia de inevitabilidades. Lembrei de um desenho animado antigo 'O Retorno ao país de Oz', onde um cavalo de carrosseu cantava "De lá pra cá, de cá pra lá/ pra frente e pra traz sempre a rodar/ Vida não há mais cruel/ que a do carrosseu". Feliz ano novo, essa outra volta que se inicia! Grande abraço!

4:42 AM  
Anonymous Anonymous said...

Saudade dessas magavilhas! Beijo, carinho

7:49 AM  
Anonymous Anonymous said...

Meio preguiçoso começou seu 2007 né não?
semana linda,querido
beijosssssssssssss

5:01 PM  
Blogger AnMi said...

Não sei o porquê, mas esse poema me lembrou "A menina de lá". Talvez o "bem alto" tenha ganhado na minha cabeça as cores do arco-íris.

Foi bom lhe rever hoje no Natal Shopping, se envenenando tanto quanto eu com aquelas guloseimas que me fazem passar mal depois e sempre jurar que nunca mais como (lembrando até um carrossel nesse ciclo de promessa sem fim).

Quando você tiver um tempo e quiser, vamos sentar um poco para conversar. Sei que faz muito tempo quenãolhe vejo, mas lembro vagamente que gostava muitíssimo de lhe escutar lá na faculdade.
Alguma peça para estrear de sua autoria??

Beijo

7:26 PM  

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