Sete em ponto
Café - da - manhã. As duas senhoras mastigavam educadamente seus ovos pochê, colesterólicamente corretos, enquanto bebericavam pequenos goles de seus leites de soja. Sabor laranja.
“Sabor em soja?”
- Soube da filha de Jerusa?
“Nhact”
- Não.
- Morreu.
- Morreu.
A outra perdeu o interesse no café.
- Como?
- Estourou uma veia na cabeça. Aneurisma, coisa assim.
- Estourou uma veia na cabeça. Aneurisma, coisa assim.
A palavra temperou a torrada sem manteiga e desceu mastigada silabadamente pelos lábios.
- Tão nova...
A velha tentou partir os sorriso com os lábios enrugados, mas foi impossível.
- Mas diz que é assim, né? Quando chega a hora, até no banho a pessoa cai e pronto.
- Isso é.
- Isso é.
Eram duas. Isso eu já disse. Mas não disse que eram más, talvez nem soubessem disso, mas sim, eram más. Mas acho que isso vocês já perceberam.
“Glupt”
- Ei.
- Oi.
-Tá bem?
- Eu tô.
- Engasgou?
- De leve.
- Oi.
-Tá bem?
- Eu tô.
- Engasgou?
- De leve.
Eram sós. Talvez por isso más. Dizem que a solidão amarga, mas a maldade conserva.
“Amargas em conserva?”
- Ei.
- Oi.
- Se eu...
- Oi.
- Se eu...
A outra largou finalmente os talheres. A uma parecia realmente ter algo de importante a dizer.
- ...
- Se eu morrer antes.
- Que morrer, velha! Que morrer o quê? Esquece essa conversa de morte. Coisa mais tétrica.
- Se eu morrer antes.
- Que morrer, velha! Que morrer o quê? Esquece essa conversa de morte. Coisa mais tétrica.
Silêncio repentino. A outra parecia realmente ter concordado.
- Ei.
- Uhm...
- Soube de Marizete?
- Morreu?
- Ainda não.
- Câncer?
- No peito. Um tumor do tamanho de uma laranja. Vai ter que cortar.
- Virgem Santa. Os...dois?
- Uhm...
- Soube de Marizete?
- Morreu?
- Ainda não.
- Câncer?
- No peito. Um tumor do tamanho de uma laranja. Vai ter que cortar.
- Virgem Santa. Os...dois?
E apertou os joelhos. Extasiada.
17 Comments:
Nossa. Parece uma faca. Vc é exato. Demais. Viva, Benjamin!!
Que clima pesado nessas palavras não ditas!
PS: Nem lembro como cheguei aqui. Foi clicando em algum link em algum blog.
vai se fuder, vai? que saco! outro texto desses e eu corto meus pulsos com faca de pão pulmann.
hi hi hi,
ho ho ho,
me passa o sucrilhos ai.
o diet.
ab
b.
Conserva ruim, essa. eu ainda vou no seu velório.
Putzzzz, PQP!
Que baita prazer sentiu a maléfica.
beijosssssss
Delícia de texto. Sabor tumor.
:)
Abrs.
Mas que duas gordinhas malvadas, hein?
as amargas são as melhores. mas só quando estão longe de mim.
Muito bom os seus contos.
Sei bem como é isso, essa morbidez que as pessoas se apaixonam. Tem gente que entra em êxtase quando sabe de alguma tragédia. Infelizmente nossa mídia só incentiva cada vez mais esse tipo de 'prazer'.
Um abraço
Que doces velhinhas.
Futriqueiras! Recebeu meu email?
Marcio...
pela forma de escrever eu creio que seja você, mas não me custa nada perguntar.
Você estudou na UFRN?? Terminou Direito e é um escritor de peças que já estiveram em cartaz na Casa da Ribeira (salvo engano, "Flores de plástico" é uma delas...)
Estou me chegando nesse novo mundo: o do Blog. E achei você... ou pelo menos acho que achei.
Bom saber que tu é tu "mermo"!!!
menina, que mulheres danadas essas, hein?? poxa, dizer o quê do texto? por isso sou teu fã
GE-NI-AL!!!
"Dizem que a solidão amarga, mas a maldade conserva."
Eu nunca ouvi isso, mas agora vou lembrar pra sempre, rs.
Você demonstrou de forma muito delicada uma maldade realista e quase imperceptível, talvez justamente por ser real. Especialmente nas velhas sós e más. Como gostam de falar da desgraça alheia. Pimenta no cu dos outros é refresco, certo?
Tem certeza de que você não é ilustrador? Pergunto porque suas narrativas são extremamente visuais. Ou talvez, mais do que visuais, elas sejam pé-nochão. Normalmente não julgam, não dizem "é bom" ou "é mau", apenas mostram os fatos e deixam que o leitor julgue sozinho. Não induzem, conduzem. Nesta aqui, por exemplo, você nem precisava ter dito que eram más. O último parágrafo decretou isso com maestria.
Passa lá em casa que tem coisinha nova!
Beijo.
Ué? Por onde anda não tem caneta não? escreve né?
beijossssssssss
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