Em frente
Com as mãos nos bolsos, esperava o outro se aliviar sobre a mata que invadia a estrada. Em pé no acostamento, mirava o longo declive da estrada. Longa. Sem rastro de carros, de caminhões ou animais. Só o ruído derramado da torrente de mijo despejando-se sobre a vegetação.
- Merda.
- Hein?
- Suspirei só.
- Hein?
- Suspirei só.
-Tu suspira demais.
E sacudiu o pau, jogando-o meio de lado dentro da calça desbotada.
-Tu acha que se o cara correr assim, por dentro dessa mata, o cara chega onde?
- Tu pensa muita merda.
- Tu pensa muita merda.
E sorriu, caminhando em direção ao carro velho. Que chaleirava a água do radiador.
Pela força do hábito, deu um chutinho de leve nos pneus. Meio vazios, totalmente carecas. Mas fortes.
- A gente chega ainda hoje?
- Contigo falando merda assim chega não.
- É foda mesmo. E fui eu quem parou pra mijar?
- Devia mijar na tua boca.
- É parou?
- Hein?
- É parou ou parei?
- Sei lá.
- Contigo falando merda assim chega não.
- É foda mesmo. E fui eu quem parou pra mijar?
- Devia mijar na tua boca.
- É parou?
- Hein?
- É parou ou parei?
- Sei lá.
Do lado de fora se sentiram meio desertos.
- Entra.
- Hein?
- Entra no carro.
- Tu ainda sente dor?
- Entra no carro.
- Sente?
- Vez por outra. Mas disseram que melhorava. Antes de piorar de vez.
- Hein?
- Entra no carro.
- Tu ainda sente dor?
- Entra no carro.
- Sente?
- Vez por outra. Mas disseram que melhorava. Antes de piorar de vez.
A última palavra veio meio engasgada.
- Tu confia nele?
- Nem sei.
- E deixou tudo assim?
- Já te disse.
- E se der errado?
- Entra no carro.
- Nem sei.
- E deixou tudo assim?
- Já te disse.
- E se der errado?
- Entra no carro.
Mais uma vez pararam à porta, com os trincos na mão.
- Se você não entrar agora, me mando.
- E se você morrer?
- Eu me mando!
- Dá a volta, cara, vamos embora. Vamos voltar.
- E se você morrer?
- Eu me mando!
- Dá a volta, cara, vamos embora. Vamos voltar.
O outro só sorriu, com ironia.
- Entra.
- Tá.
- Tá.
Dentro do carro, não conseguiam se mover.
- E tu queria que eu fizesse o quê?
- Num sei, a vida é tua.
- Num sei, a vida é tua.
Silêncio. Sem mijo pra distrair.
- Tu quando vê assim uma plantação ou até um descampado. Dá vontade de sair correndo não?
O outro o olhou.
- Rapaz, tem horas que eu tenho certeza de que tu é viado, sabia?
- Foda-se.
- Foda-se.
O outro sorriu.
- Vai dar certo.
- É.
- Vai dar certo.
- Vai.
- É.
- Vai dar certo.
- Vai.
Silêncio. Nem cigarra ou pássaro ou máquina.
- Tanto faz.
- Hein?
- Parou ou parei.
- Hein?
- Parou ou parei.
E seguiram. Parados, dentro do carro. Esperando o sol terminar de descer do céu.
11 Comments:
Seus textos são lindos... Me prenderam (ao menos por alguns minutos).
Parabéns.
Bisous
"Pois eu tenho que seguir adiaaanteee (pum, pum, pum, pum) / Não posso mais fica-ar / Parado no meio do tempo / Se a chuva desabar / Eu vou me mexer / Eu vou me cuidar / Não vou me molhar / E o meu coração quer REVEEEER (plic, ploc, plic, ploc) / AS PESSOAS DISTANTES (tondondundundum, tondondum) / ELE QUER, ELE QUER, ELE TEM QUE SEGUIR ADIAAANTEEEE" (conhece? :) )
"Pois eu tenho que seguir adiaaanteee (pum, pum, pum, pum) / Não posso mais fica-ar / Parado no meio do tempo / Se a chuva desabar / Eu vou me mexer / Eu vou me cuidar / Não vou me molhar / E o meu coração quer REVEEEER (plic, ploc, plic, ploc) / AS PESSOAS DISTANTES (tondondundundum, tondondum) / ELE QUER, ELE QUER, ELE TEM QUE SEGUIR ADIAAANTEEEE" (conhece? :) )
É "Adiante", de Sá, Rodrix e Guarabyra, quinta e última faixa do lado 1 de "Terra", segundo e último disco do trio (1973).
http://cliquemusic.uol.com.br/artistas/artistas.asp?Status=DISCO&Nu_Disco=4926
É "Adiante", de Sá, Rodrix e Guarabyra, quinta e última faixa do lado 1 de "Terra", segundo e último disco do trio (1973).
http://cliquemusic.uol.com.br/artistas/artistas.asp?Status=DISCO&Nu_Disco=4926
Pô, meu amigo, fico aqui a contemplar os contempladores.
Abraços contemplados.
Magnífico!!!!!
... para depois dormir kkkk ...
ent~~ao eu gostei de algumas coisas de antes de ontem ... as mendigas s~~ao maravilhosas ... adoro!!!
Enquanto não se houve mais o barulho do mijo solitário, eu já passo a esperar a próxima distração que sua futura crônica trará.
Pra variar, muito bom.
Abração.
Que mistério!
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