Livro de receitas
Ela me encontrou no meio da rua, quase em frente à entrada do metrô. Foi se chegando meio de leve, sorrateira.Até que se pendurou com força em meu braço.
- Me leva embora daqui.
Foi o que disse ao cravar as unhas compridas em mim.
Tudo tão rápido que eu não tive nem tempo de me assustar. Apenas obedeci.
Meio sem saber porquê, agarrei-lhe o punho, arrastando-a pra estação.
Numa jogada quase ensaiada, o metrô zuniu, receptivo, a sua chegada.
Pra onde estávamos indo? Não sei. Não sei.
Dentro do vagão, protegi seu corpo franzino contra o meu.
Não, ninguém ia pegar você.
Passando rapidamente pelo lado de fora, pude vê-los. Muitos. Sóbrios e decididos, aguardavam a nossa saída.
Peguei-a pelo braço, rebocando-a pra o interior.
Esbarrando em quase todos os passageiros, consegui encontrar um lugar vago no fundo. Ninguém estranhou. As pessoas tinham mais o que fazer.
Mas eu não poderia ficar lá dentro pra sempre. E a linha não é lá tão grande assim. Foi o que disseram as palavras “última estação, desembarque obrigatório” em minha cabeça.
Ainda tínhamos algum tempo.
Decidido, abri um tantinho da bolsa de feira e fui recortando-lhe em pedaços com um pequeno canivete comprado num semáforo.
Primeiro a mão.
Quase sem abrir a boca, passei a mastigar-lhe em nacos. Como um filhote de tubarão no útero materno.
Depois um seio.
Esse foi mais difícil.
No vagão, ninguém me notava. A não ser uma criança, ranheta e curiosa, que procurava entender o que eu mastigava.
Uma perna.
Limpei, enfim, com a manga da camisa, um filete de sangue que me escorria pelo queixo e espiei dentro da sacola colorida de lona para sorrir-lhe um sorriso confortador.
Enternecida, a sua cabeça me olhou.
Não.
Ninguém ia pegar você.
11 Comments:
caralho, bicho, vc eh doente!
continua assim.
muuuuuuuito bom!
com um protetor como você quem mais precisa de que?
genial...
beijosssss
mermão. que coisa sinistra!
uau. adoro seus textos. nem tenho o que dizer.
Caraca!!!!!!!!!!
Maravilhoso esse, cara!
Sempre que venho até aqui me amaldiçôo por não ter tempo pra vir sempre!
Antropofagia da melhor qualidade. Publique em 2022.....rsrsrs.... Vc é tudo de bom e sabe disso, te amo
Cruz credo!!!
hehehe
Não sei porque, mas gostei do texto... tem alguma coisa. Talves o ritmo de leitura.
Parabens, voltarei.
Continue.
De onde sou ou onde estou? hehe.
Sou de Portugal, mas neste momento estou em Moçambique.
Fique bem.
OLá, Marcio, como vai?
Gostei muito do seu estilo e dos seus contos, parabéns, rs.
Espero sua visita em meu site, rs.
Comprimentos cordiais, clega Noctãmbulo
Ana Pismel
Eu sei muito bem porque gostei. Você tem narrativa muito boa! E suas histórias pelo menos as que eu li até agora (as duas primeiras) tem mesmo um ar canibalista, antropofágico.
Fantástico!
Post a Comment
<< Home