Tuesday, September 04, 2007

Mapa dos arredores

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos
Mário de Andrade
Sabe o que eu acho mais estranho dessa cidade? É que você não consegue chegar no mesmo lugar contornando pelo caminho oposto. Ruim de acreditar, né? Mas é o que acontece. Como se os prédios se reorganizassem. Como se a cidade se espreguiçasse. De leve. Se aconchegando dentro de uma manta, naquela madrugada fria daqui.

As pessoas não. As pessoas são dançarinos! Até na pose. Aquela que artista bom deve ter. Um olhar duro, meio pedante. Como se não estivesse nem aí pra ninguém. E talvez não estejam. Vai saber.

Vê só. Segue a linha em cima do meu dedo. Mais uma estação e a gente chega em Paraíso...

Imagina se fosse assim, rápido. Imagina se fosse fácil assim.

Eu nem sei mais. Ah! Olha ele chegando. Percebe. Viu o que eu disse? Ninguém esbarra em ninguém. Como em uma coreografia. Eu nunca soube dançar. Você sabe? No começo até desenrolava, mas nunca conseguia seguir aquele movimento repetitivo muito tempo. Dispersava logo. Acho bonito quem dança. Você acha?

Mais uma só. Pertinho. E a gente. Sabe que eu tentei? Vez por outra eu até entro no vagão. Espero as pessoas passarem e me meto nessa dança esquisita. Com cuidado. Pra não atrapalhar, entende?

Eu gosto de ficar bem na beiradinha da linha amarela. Até passar um pouco de vez em quando. De vez em quando até abro os braços. Acho bom sentir o vento quando ele chega.

Não tenho muito o que fazer não. Vejo gente indo, gente vindo. Alguns com mais constância. Vê aquela moça com a blusa de alça? Vem sempre. Toda vida com essa cara, como se.

Vê.

Percebeu? Como se não quisesse entrar. Ou tivesse errado de vagão. Mas entra. E sempre volta.

Dia desses tentei chegar a Paraíso de novo. Até escutei a moça falar: próxima estação Paraíso. Mas quem disse? A porta nunca se abre. E acabo por aqui mesmo.

Aí me sento no pé do mapa e espero o próximo chegar.

Tu ainda é novo por aqui. Logo logo vai saber até onde pode ir. Eu sou de Vergueiro. Diz que tem um senhor que pode ir até quase o fim da cidade. Já imaginou uma coisa dessas?

Saudades dos parques. Se bem que andam meio lotados. Os de lá não gostam muito de companhia. Mas ficar preso num parque deve ser melhor que ficar preso em um metrô, né não?

Ou em cima de um prédio. Em um banheiro. Em um ponto de táxi.

Vai. Não precisa dançar com as pessoas não. Nem se preocupar com o frio. Nem com fome. Nem com a chuva. Ou com a poluição ou com lugares meio estranhos.

Sobe a escada. Não, a rolante não. E segue o corrimão, sem olhar pra trás. Se conseguir, some daqui. Vai tentando aos poucos. Vai vendo até onde você consegue chegar. Quando descobrir, me conta, tá? Me diz como anda o Mosteiro, a Praça da República. Me fala do Mercado. Me conta da Mooca, ah, pelo amor de Deus.

Vai.

E o outro obedece, meio sem saber porquê. Um passo leve, ainda meio tímido.

Sem conseguir resistir, girou nos calcanhares. Todos os de Vergueiro já o olhavam, firmes, serenos. A mais silenciosa torcida do mundo.

Degrau a degrau, continuou. Alcançando o máximo de luz que enxergaria.

Em pouco tempo já descia a Aclimação, com uma apreensão mal disfarçada de felicidade. Rezando baixinho para que seu limite andasse bem longe.

Queria ser do mundo.




12 Comments:

Blogger Lis said...

A-NO-NI-MA-TO....essa palavrinha vale a pena todo o resto! Heheheheheh...vem pra linha amarela você também,vem...rs. Abaixa os braços, senão fica sem ele....PUF!
...TSC...TSC...já era...agora corre pro hospital sozinha, porque ninguém vai parar pra te ajudar....hehehe

8:16 PM  
Anonymous Anonymous said...

Adorei.....Acho que é assim a gente sente mesmo...mto bom!

8:59 PM  
Anonymous Anonymous said...

Mermão, eu não vou dizer mais nada!

5:58 AM  
Blogger Cristiano said...

Que os vagões ganhem a luz clara do meio dia...... Ganhem também pernas e corram. Talvez asas. Mas que não firam ninguém.
Abs.

7:16 AM  
Blogger - said...

Fiquei com impressão de uma inocência misturada com a maturidade, "como se".
Belo texto, adorei!

4:01 AM  
Blogger Fernanda Passos said...

Prosa a Laser né Márcio?
Bom texto. Com um estilo diferente daqueles de suspense. Gostei muito.
Tô com um blog de prosa agora. Passa lá pra conferir. Tua apreciação é importante pra mim. Vc escreve muito.
Bjs.

7:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

É isso aí, Márcio. e o teu capítulo do hipertexto ficou massa!

12:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

...que texto bom da porra, neguinho! e como foi lá? encontrou a lilly , o branco, aquela paulicéia desvairada? bjo

12:49 AM  
Anonymous Anonymous said...

vai lá, neste link e, se queiser participar me manda imeio, ficaremos orgulhososssssssssss, bjo

2:35 PM  
Blogger Arnaldo Júnior said...

Olá,
adorei seus textos.
Vou add seu blog nos meus favoritos. Posso?
E queria pedir sua permissão para postar um txt seu... "Sete Vidas".

Meu blog...
www.algoflamejante.blospot.com

Abraço,
aguardo resposta!

6:27 AM  
Anonymous Anonymous said...

eu sou do mundo... me identifiquei muito, principalmente qd cheguei por aqui, fica observando, olhando... agora nao tenho mais tempo pra observar, se nao eu perco o horário ou alguém passa por cima de mim... gostei das referencias ao meu bairro e da vergueiro! hehehe
Volta logo amigo.
Abraço, Brunno

6:23 PM  
Blogger Ane Brasil said...

E São Paulo tem uma estação chamada PARAÌSO? é isso que eu chamo de ironia fina!

Muito bom o texto... nem sei porque raios fiquei pensando naquela música do João Bosco, que fala nos bóias frias...

Sorte e saúde pra todos!

8:51 AM  

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