Jogo da memória
- Hoje à tardinha finalmente cumprimos a promessa de visitar Dona Marta. Chovia muito e ela nos disse pra entrar rápido. Usava um roupão velho, azulado, e você se lembrou de que a sua mãe tinha um bem parecido. Pediu desculpas por nos receber daquele jeito. Aquele sapato que você escondeu na loja sujou um pouco de lama na entrada e você esfregou a sujeira no tapete da sala, rezando pra que ela não notasse.
O homem falava devagar, saboreando cada palavra, enquanto repartia com cuidado o cabelo molhado da sua mulher.
- Até que não demoramos muito por lá. Ela nos ofereceu um chá. Você odeia chá. Mas estava quente e aproveitamos bem. Mais uma vez falou do filho e se emocionou. Aproveitei pra ir fumar lá fora vendo a chuva cair, e deixei vocês duas sozinhas. Ela te disse que gostava muito de mim e que a gente ainda iria passar muito tempo juntos. Você concordou com a cabeça, mas achou melhor ir embora. Talvez não tivesse tanta certeza assim...
Segurou a cabeça da mulher com carinho e olhou bem dentro dos seus olhos. Ela sorriu.
- Corremos pro carro e você veio o caminho todo conversando. Estava animada. Paramos num sinal e bem a nossa frente um menininho não tirava os olhos de você, ajoelhado no banco de trás de um Fiat esverdeado, com umas marcas de batida do lado direito. Você pensava...
Ela tem um ligeiro sobressalto quando o homem puxa-lhe os cabelos para baixo.
- ...pensava de novo em nosso futuro. Em um filho. Mas ficou assustada. Pensou no que seria dele. Quase ao mesmo tempo cogitou a possibilidade de eu te deixar. E tremeu. Se achou velha, se achou feia, e sentiu lágrimas nos olhos. Virou a cabeça pra janela e falou qualquer coisa pra espantar essas idéias da cabeça. E chegou à conclusão de que realmente odiava chuva. Como as pessoas gostavam tanto de algo que só serve pra sujar roupas e sapatos? É. Essa é uma maneira bem peculiar de se ver a chuva.
A mulher parecia perdida dentro da camisola, do quarto.
-Depois a gente chegou em casa e assistimos na televisão àquele filme antigo que você adora. Nem se incomodou de estar dublado. Eu peguei no sono logo na sua parte preferida. E pela primeira vez você não ficou chateada. Pelo contrário. Sorriu pra mim e ficou passando de leve a mão no meu cabelo. E por um minuto, teve a certeza que sim, a gente ainda vai durar muito. Pronto. Tá linda.
O homem tinha acabado de repartir o cabelo da mulher, depois do seu banho, como fazia toda noite. Deitou-a de leve na cama, arrumou a sua cabeça no travesseiro, beijou-lhe a testa e caminhou para fora do quarto.
Logo depois de atravessar o umbral da porta, virou-se à mulher.
- Não, você não está velha e eu nunca vou te deixar. Agora durma.
E ela obedeceu, agradecida.
5 Comments:
Esse jogo da memória embananou a minha. Vidas paralelas ou mesma vida vivida?
Me perdi no enredo,embora tenha achado excelente.
linda semana,
beijosssssssss
cara, me deixou com lagrimas nos olhos...
lindo pacas.
ab
b.
Que inferno!
Cabe bem neste dia dos namorados. Abrs.
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