Wednesday, March 15, 2006

À luz da lua


Ele acordou deitado sobre as raízes de uma árvore. Olhou de relance ao seu redor e sentiu muito medo. Não fazia a mínima idéia de onde estava. Tudo que conseguia notar era a floresta, com uma grande lua branca iluminava as árvores de uma forma engraçada. Lembrou-se de que em sua casa havia um quadro com a mesma paisagem. Mas isso não valia de nada agora.

Ergueu-se limpando a terra das calças e suspirou fundo. Percebeu que a camisa estava rasgada. E suja de sangue. Tentou manter a calma e procurou lembrar-se como viera parar ali. Na sua mente corriam imagens esparsas. Viagem. Bar na beira da estrada. Mulher. A lua. As árvores passando muito rápido. Muito rápido. Sentiu-se tonto e encostou numa árvore próxima. De repente começou a entender. Bar. A mulher no bar.
***
Ela sorriu, tomando um grande gole da bebida paga pelo estranho. Com uma rápida olhada, fez uma análise das possibilidades: boas roupas, relógio caro. Vestia-se como um pastor. A mulher procurou fazê-lo beber mais. Talvez nem precisasse usar o comprimido. Seria bom. Estava ficando caro e era cada vez mais difícil comprá-lo sem receita. Perdeu suas esperanças quando o homem tomou a sua quinta cerveja e permaneceu ótimo. A chance surgiu quando ele levantou-se para ir ao banheiro. Ao passar por ela, deu-lhe um beijo no pescoço. A mulher sorriu mais uma vez e pegou discretamente o copo. Abriu a bolsa, tirou o remédio e o mergulhou de leve na bebida. Porcaria. Devia ter esmagado antes. A pílula azul sempre dissolvia com muita dificuldade na cerveja. Ele voltou rápido do banheiro e perguntou pelo copo. O remédio ainda não dissolvera por completo e desceu quase inteiro pela garganta do homem. Ela esfregou a alça da bolsa, assustada. Mas ele não sentiu nada. Talvez não fosse tão resistente ao álcool assim. Vamos. Vamos sair daqui.
***
Com a imagem da mulher rodando sua cabeça, o homem perdido passou as mãos nos bolsos traseiros da calça, em busca de sua carteira, de documentos. Nada. Só as roupas do corpo. De repente, tudo fez sentido. A mulher, o bar, o golpe. Mas ainda não sabia onde estava.
***
Estou meio tonto, acho que bebi um pouco demais. Tudo bem, eu posso dirigir se você quiser. Ele riu e pôs a mão dentro da blusa dela. Claro. Sem - vergonha. Ela dirigia apressada. Aonde você está indo? Calma, amor. Você vai adorar. Vou adorar. Ele repetia. Vou adorar. Me dá a minha bolsa. Claro.

A estrada estava muito bem iluminada. Pela lua. Grande e branca. Ele olhou a lua. Parou. Me dá a minha bolsa. O quê? A minha.
Antes que a mulher tivesse tempo de terminar a frase, o homem subitamente começou a ofegar e tremer. Ela o olhou de relance e ainda teve tempo de ver a sua boa camisa de pastor rasgar-se antes de perder o controle do carro.
***
O homem perdido na floresta viu um carro passar velozmente pela estrada . O veículo perdeu o controle e bateu em uma árvore. Ouviram-se gritos. Correu. Talvez alguém precisasse de ajuda.

10 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Uau!
O velha máxima "o feitiço virou contra o feiticeiro" aí valeu.
Bom demais.
ótimo dia meu querido,
beijosssssssss

6:36 AM  
Anonymous Anonymous said...

Ben, quem manda ter pinta de pastor? Dinda cada vez mais orgulhosa. Já encontrou com os priminhos? Beijo, muito beijo

6:03 PM  
Anonymous Anonymous said...

eu gosto muito desse. principalmete por causa da camisa de pastor. irc! já imagino aquela coisa bem passada, cheia de botão e ensacada até a gola.

4:55 AM  
Anonymous Anonymous said...

Em nova visita por aqui, entrando no conto, na beira da estrada, encontrando quem literalmente caiu no conto... E vendo o conto passar, bater, e enfim, o fim.

7:24 AM  
Anonymous Anonymous said...

O guri tá virando um lobisomem escrevinhador, pô! Mutcho good, Márcio. Abração.

3:04 PM  
Anonymous Anonymous said...

Sabia sim, mocinho. Já havia percebido. Às vezes o leitor imagina outras coisas.

Por exemplo, no meu post Sal, Céu, Cio,... o pessoal - além da decepção pelo personagem não ir comer a ex-mulher -, protestou pelo gosto deles por bacalhau, hehehe. Abração.

12:51 PM  
Blogger b.ponto said...

e tao lindo quando o obvio nao e nada obvio.. haha.
adorei a tecnica corrida... narrativa e dialogo tudo junto. sem travessao, sem nada...
excelente trama. otimo texto.

abracos
b.

12:59 PM  
Blogger Marina said...

E a lua estava lá como testemunha dos gritos perdidos... E dos pensamentos sombrios...

10:55 PM  
Anonymous Anonymous said...

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2:38 AM  
Anonymous Anonymous said...

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3:27 PM  

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