A estação
Ainda era bem cedo quando ele chegou à estação. Trazia uma mala nas mãos e uma mochila nos ombros.
Parou quase à beira dos trilhos e puxou o bilhete do bolso, conferindo-o. Tudo correto. O trem chegaria em dez minutos. Não teria muito mais tempo ali. Os trens nunca se atrasam, não é mesmo?
Colocou a mochila do chão, perto da mala, para descansar um pouco, mas percebeu então que o grande peso nos seus ombros não era da mochila, nem era da mala. O peso nos seus ombros seria arrastado ainda por um bom tempo aonde quer que fosse. Era saudade.
Virou-se para a entrada da estação e deu uma boa olhada ainda, tentando deixar na memória a lembrança de tudo que vivera até então naquela sua cidadezinha de maquete. As brincadeiras de criança nos trilhos, as broncas dos funcionários. O amigo que morrera atropelado pelo trem. Sempre o trem.
Foi então que percebeu um ponto negro se aproximando de longe. Um ponto negro que foi se tornando imenso e barulhento. Até aportar, com toda sua imponência, aos seus pés. Num instante, surgiram dezenas de pessoas, como se tivessem brotado do chão. Envergando malas, lenços, e quem sabe, saudade, como ele, alguns subiram, outros apenas se despediram.
O seu embarque foi rápido, direto. Sentou-se à janela, olhando a estação de cima. Não havia de quem se despedir. Todos os parentes e amigos que lhe sobraram, tinham deixado a cidade fazia muito tempo.
Meio sem saber porquê, acenou, como tantos outros. Lá de baixo, uma velhinha acenou de volta. Ele sorriu enquanto o trem partia.
Fechou os olhos e tentou dormir um pouco, mas era impossível. Decidiu então repassar, cuidadosamente, todos os atos a serem tomados na cidade nova, antes de pegar o avião para mais longe ainda.
Leu o endereço para si mesmo, em voz baixa, enquanto o trem adentrava o túnel. Estava saindo da cidade. O pensamento gelou seu sangue por alguns instantes. Nunca tinha saído da cidade em toda sua vida.Segurou a alça da mochila com força, como quem esfrega uma lâmpada mágica. Pediu para que sumissem com aquele sentimento.
E então, aconteceu. O trem saiu do túnel e a forte luz do começo de tarde lhe invadiu os olhos, sem pedir licença, enquanto a estação se aproximava.
Mas, tão rápido assim? - perguntou ele pra si mesmo.E viu a mesma estação, algumas das pessoas, e a mesma cidade voltarem aos seus olhos, à sua lembrança.
Dizem que tentou ainda por semanas ir embora, sempre com um fiapo de esperança a esgarçar-lhe o coração, sempre voltando à mesma estação.
Ainda tentou sim. Mas depois desistiu. Se se conformou, isso ninguém sabe. Talvez nem o próprio. Tudo que sabe, ou que aprendeu ao longo do tempo em que permaneceu vivo, era que a oportunidade de ir embora quem dava não era ele. Era o trem.
9 Comments:
Eita! Então quem morreu foi ele? Ou será que ele é igual ao Truman, que vive numa cidade de reality show? Ou será que o trem é uma metáfora para o momento no qual ele dorme e sonha sempre o mesmo sonho pq a saudade e a falta de vida o impede de progredir até no sonho? E ele está preso dentro do sonho dele, que é, na verdade, a única vida que ele conhece?
Hummm...
Pô, meu! Pelo visto portais de espaço-tempo contagiam. Excelente texto; vibrei. Abrs.
Entre les deux, mon coeur balance: Proust e O dia da marmota.
Bisous
Enquanto ele estiver preso as lembranças enraizadas na sua terra esse trem jamais partirá.
Linda semana meu querido
beijosssssssssssss
Vou ler de novo, de novo, de novo, de novo, até chegar na estação certa. Caralho!
Texto bem legal, gostei!
Minha mala de saudade tá pesando uma tonelada!
eita que esse trem tá parado!!!!! atualizaê homi.
estou morrendo de saudades!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! minha guia é tão linda!!!! um xero na alma!
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