Trilhas
O nome dele era João. Não lembro se da Silva ou Albuquerque. Ou Alburquerque da Silva, uma coisa assim. Só sei que era funcionário de um banco. E deitava formigas pelas orelhas.
Começou semana passada, quando fechava o caixa, compenetrado, passando por entre os dedos uma profusão de notas que não eram suas.
Quando lhe perguntavam o que sentia mexendo com tanto dinheiro, ele sempre dava a mesma resposta: nada. Não sentia nada. O dinheiro não era dele. Bem, talvez no começo. Mas a ilusão não durou uma semana. Seria bobagem.
Mal terminou de contar as notas, sentiu um leve raspar na parte interna da orelha. Delicado, sim, mas ainda incômodo.
Angustiado, anotou com pressa o valor conferido e procurou descobrir o motivo daquela perturbação repentina. Primeiro com a ponta dos dedos. Impossível. Sacou então um lápis marrom da mesa e enfiou-o com precisão dentro da cavidade do ouvido. Em cima da madeira fina surgiu uma formiga vermelha, de roça, exibindo-lhe suas garras ameaçadoras.
O banco ficava a quilômetros de qualquer espécie de planta, de qualquer espécie de terra.
João, um tanto confuso, pressionou-a entre a mesa e a borracha traseira do lápis, até que estivesse morta. Depois sacudiu temporariamente as suas dúvidas e tomou o caminho de casa. Aquela foi a sua última noite relativamente tranqüila.
A segunda caiu-lhe do nariz em pleno café da manhã. Voou num espirro, sobre os pães e as frutas. Viva, e talvez um pouco mais vermelha do que a primeira. Angustiado, João despejou com cuidado um pouco do café da xícara por sobre aquela pequena ameaça misteriosa e a viu agonizar. Foi o máximo que pôde fazer.
Como numa praga bíblica, as formigas passaram a chegar em profusão. Já lhe escorriam, em tropas, dos ouvidos, nariz, brotando como mágica por entre seus cabelos do peito, escalando-lhe com decisão os dedos do pé para marcar os seus calcanhares com dolorosos ferrões. À qualquer hora, em qualquer dia. Sem avisos de ida ou vinda, mas invariavelmente irritadas.
Os remédios não surtiram efeito, mesmo os perigosos formicidas cuidadosamente inseridos no canal auditivo, borrifados garganta abaixo, quando elas começaram a surgir de dentro da boca, marchando decididas por cima da língua.
Até que não foi mais possível trabalhar. As formigas já cobriam tudo. Móveis, papéis, cédulas. E João foi despedido. Justa causa, disseram. Seria mais honesto alegar causas naturais, pensou, enquanto arrumava suas poucas coisas. E partiu.
Já dentro do ônibus, encostou-se ao vidro da janela, sumindo no labirinto de seus próprios pensamentos. E agora?
Foi então que sentiu um leve arranhar no braço esquerdo. Mais formigas. Pretas, dessa vez. Mas agora havia um outro braço servindo de ponte.
Ao seu lado, sorria-lhe uma moça. Cúmplice.
10 Comments:
isso me deu um aflição.........ai, ai , aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
Dizem que é assim que o cabra vira baitôla. Começa a formigar no brioco e aí já viu né?
Aff! nasceram do mesmo formigueiro.
Agonia total...
lindo dia,
beijosssssssss
Achei que só eu tinha sentido agonia! Mas vi que não! Hainnnn!
Ah?
Valhaaaaa
Mas hein?
Ei, produza uns curta-metragens com essas histórias, homi! Ia ser massa...hauahuaaha
pirado de dar do...
mas adorei o romantismo..
b.
Fala Marcio,
após algum tempo longe dos blogs, pelo excesso de trabalho, voltei e tive o prazer de ler esse fantástico (literalmente) texto.
Vou tirar o atraso (sem duplo sentido) e ler os outros.
Um abração, meu camarada.
Esse texto é de deixar minhocas na cabeça, pô!
Abrs, Ordisi.
ieca! que nojo! tenho nojo de formiga!! e de barata e de rato e de todas essas pestes que andam por todos os lugares pisando em merda e depois passeando na comida, num prato, num copo, no meu lençol limpinho. eca!!!
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