O último a fechar

- Arrependida?
A moça, girando o saleiro vagabundo entre os dedos, parecia não ouvir a pergunta do homem. Até que.
- Não. Não é bem.
- Hein?
- Eu não diria arrependida. Assustada. E meio empolgada. Estranho?
- De jeito nenhum. Também estou. Acho que até mais um que outro.
- Qual?
- Mais empolgado. Na verdade não é bem empolgado.
- Excitado?
- De jeito nenhum. Também estou. Acho que até mais um que outro.
- Qual?
- Mais empolgado. Na verdade não é bem empolgado.
- Excitado?
A frase corou ainda mais as bochechas dela. Pra controlar o pau duro, ele passou de leve os dedos no cacho suado que descia no meio da testa pequena.
- Come.
- Estou sem vontade.
- Posso comer então?
-É.
- Estou sem vontade.
- Posso comer então?
-É.
Ainda com fome, ele lambia o catchup dos dedos, passando no sal o que sobrou da batatinha murcha.
- Abra a boca.
- Não quero.
- Abra!
- Não quero, deixa de ser chato! – tentou ela, mas o riso a traiu.
- Vamos indo? Já pediu a conta?
- Já, mas ainda não veio.
- Não quero.
- Abra!
- Não quero, deixa de ser chato! – tentou ela, mas o riso a traiu.
- Vamos indo? Já pediu a conta?
- Já, mas ainda não veio.
Malicioso, ele percebeu a velha garçonete se aproximando aos poucos. Há quanto tempo trabalhava aí?
- Se prepara.
- Hein?
- Sai e liga o carro.
- Como assim?
- Sai e liga o carro, agora!
- Hein?
- Sai e liga o carro.
- Como assim?
- Sai e liga o carro, agora!
Antes que a gorda atendente chegasse ao menos ao pé da mesa vizinha, ela correu. E ainda munida da adrenalina esguichada umas horas atrás em suas veias, conseguiu sair do bar, e entrar no carro, buzinando para que o outro viesse.
- Entra!
- Tá louca? Você buzinou!
- Entra!
- Tá louca? Você buzinou!
- Entra!
Sem conseguir conter uma gargalhada infantil, o homem desabalou-se do bar e em segundos alcançou a porta.
A garçonete, cansada e desinteressada, só teve tempo de chegar até a porta e ver o carro tomar distância, engolido pela poeira.
Era noite, mas ela, que devia uma hipoteca e tinha perdido a posse do filho por beber muito, ainda conseguiu ver uma mancha cor da pele saindo do porta-malas. Agarrou os óculos pendurados e apontou-os, binóculos, ao carro que sumia na estrada.
Era pele. Era mão. Uma gorda mão masculina brilhando um anel de casamento.
“E se eu freqüentasse um grupo de apoio?” – foi o que pensou antes de virar as costas em direção ao balcão limpando as lentes gordurosas dos óculos na blusa comprada em prestações.
Seu nome era Maria. Maria das Graças. E tinha vindo do interior fazia muito tempo.