Thursday, March 20, 2008

Quatro lados




- Você quer ouvir uma canção? Eu posso cantar uma c...
- Não, palhaço, ela não quer ouvir uma canção. Ninguém aqui tá muito afim de ouvir canção.
O outro parou com a primeira nota ainda quente na boca.
- Eu só to tentando ajudar.
Encostada à parede, a moça tinha o olhar perdido.
Até que gostaria de ouvir uma canção sim, por que não? Mas estavam certos. Não era hora.
- A gente precisa saber como vamos sair daqui. – perseverou o palhaço
Foi a vez da moça.
- A gente não vai.
- Talvez por cima.
A resposta veio quando todos giraram os pescoços para o céu. Não se viam bordas. Paredes pardas e infinitas.
- Mas você saiu. – choramingou
- Eu não saí, me levaram.
- E veja no que deu...
O outro tinha se arrependido de falar, mas não pôde trazer as palavras de volta.
Sentada no chão, a moça procurou os olhos dos companheiros, mas encontrou apenas um espelho da sua própria angústia.
- Podemos subir nos ombros um dos outros.
- É muito alto.
Sem explicar-se, o palhaço passou a correr de um lado pro outro. Os outros, desesperados, demoraram a entender o plano.
Até que a prisão começou, lentamente, a ocilar. De um lado pra outro, como um pêndulo.
A boneca não se importava de cair inúmeras vezes, a falta da perna causando-lhe um aflito desequilíbrio. Usou da melhor maneira possível o esguio peso.
O palhaço mantia-se firme, correndo lado a lado, lado a lado, procurando esquivar-se da corda colada às suas costas, que serpenteava lentamente pelo meio das pernas, enquanto subia, ao som de uma conhecida música.
O general, já meio desbotado, acompanhando-o nos golpes.
Foram vários, até a caixa virar, enfim.
E a luz fraca do quarto invadir o papelão, onde se lia “doação”.
Estavam livres afinal.