Carrossel
Era o que pedia o menino, tentando segurar-se ao balanço. Os pequenos dedos, grudados de algodão doce, já escorregando nas fibras invisíveis do ferro colorido.
Os barulhos perturbadores dos brinquedos misturavam-se, alucinados, às suas risadas enquanto ele subia.
A visita ao parque itinerante fora uma surpresa, um pequeno presente de aniversário dado pelos pais sem condições. Singelo, mas perfeito, atingindo com uma precisão cirúrgica os limites de seus desejos de criança.
A sensação de liberdade experimentada pelo vento batendo em seu rosto era cadencialmente substituída pelo delicioso frio na barriga que lhe causava o retorno do balanço, quando, arremessado de costas, percebia o chão sumindo bem embaixo dos seus pés.
“Bem alto”
Totalmente absorto em seu mundo particular, não percebeu que já não havia mais mãos a lhe empurrar.
Longe demais, não atentou para o semblante angustiado dos cavalinhos presos ao carrossel na entrada do parque. Perfurados e atados, giravam eternamente nos limites claustrofóbicos daquele círculo.
“Bem alto”
Até que o balanço parou.
E não havia mais criança dentro dele.
“Bem alto”
No círculo do carrossel, mais um cavalinho percorria agora aquele caminho sem fim. Junto aos outros, tinha uma expressão atônita no rosto reluzente.
Afinal, não teve lá muito tempo para pensar: o carretel mecânico disparara e a sua monótona canção enchia de melancolia o ar do velho parque, agora abandonado.
No círculo do carrossel o mais novo cavalinho iniciava a sua jornada sem fim numa inútil busca pelo fim-começo daquele moto-perpétuo.
“Bem alto.”