Friday, December 29, 2006

Carrossel


“Bem alto.”
Era o que pedia o menino, tentando segurar-se ao balanço. Os pequenos dedos, grudados de algodão doce, já escorregando nas fibras invisíveis do ferro colorido.
Os barulhos perturbadores dos brinquedos misturavam-se, alucinados, às suas risadas enquanto ele subia.
A visita ao parque itinerante fora uma surpresa, um pequeno presente de aniversário dado pelos pais sem condições. Singelo, mas perfeito, atingindo com uma precisão cirúrgica os limites de seus desejos de criança.
A sensação de liberdade experimentada pelo vento batendo em seu rosto era cadencialmente substituída pelo delicioso frio na barriga que lhe causava o retorno do balanço, quando, arremessado de costas, percebia o chão sumindo bem embaixo dos seus pés.
“Bem alto”
Totalmente absorto em seu mundo particular, não percebeu que já não havia mais mãos a lhe empurrar.
Longe demais, não atentou para o semblante angustiado dos cavalinhos presos ao carrossel na entrada do parque. Perfurados e atados, giravam eternamente nos limites claustrofóbicos daquele círculo.
“Bem alto”
Até que o balanço parou.
E não havia mais criança dentro dele.
“Bem alto”
No círculo do carrossel, mais um cavalinho percorria agora aquele caminho sem fim. Junto aos outros, tinha uma expressão atônita no rosto reluzente.
Afinal, não teve lá muito tempo para pensar: o carretel mecânico disparara e a sua monótona canção enchia de melancolia o ar do velho parque, agora abandonado.
No círculo do carrossel o mais novo cavalinho iniciava a sua jornada sem fim numa inútil busca pelo fim-começo daquele moto-perpétuo.
“Bem alto.”


Monday, December 04, 2006

Mesa pra um



- Toca.
Extasiada e ajoelhada, a mulher hesitou. Exibindo a perfeição de uns seios quase matemáticos, era como uma espécie de parente ancestral reverenciando a um deus antigo. Ele riu, pego de
surpresa pela semelhança.
- É macio.
- Sim.
- Não dói?
- Não.
- Consegue mexer?
O homem fez uma imperceptível careta.
- Que engraçado.
- Você foi a primeira, sabe?
- Primeira?
- A primeira que não fugiu.
- Por que fugiria?
- Não sei, pergunte às que fugiram.
Foi o que ele disse. A cauda, discreta, mas decidida, sacudia lentamente, como o braço de uma marionete.
- Já está na minha hora. Preciso ir.
-O dinheiro tá em cima da mesinha.- foi o que ele disse ao colocar a roupa.
- Não dói?
- Já disse que não.
- Digo, não dói pra colocar dentro da calça?
- Não. A consistência é quase como a de um pau. Dobra fácil.
Ela sorri da semelhança.
- A gente se fala.
- Com certeza.
Dentro do apartamento, já sozinho, ele se pega sorrindo meio bobo. Perigoso. Perigosa. E acorda, afinal.
“Fugiria...Por que fugiria...”
Uma puta amiga do futuro do pretérito?
Corre à janela e fixa o olhar na rua molhada pela chuva ridleyscotiana.
Mas, claro, óbvio, que ela já foi.
Porque a moça, como ele, esconde um rabo dentro dos jeans. Um rabo firme e experiente, um rabo que os faz diferentes. Uma diferença que lhes guarda surpresas e missões. A serem reveladas em breve.
É o que ele pensa enquanto acende o último cigarro do maço. E deixa a fumaça correr janela afora.