Sete passos
Quando dei por mim, já tava era em frente da casa. Aquela grande, de pintura gasta e juazeiro no quintal. Era noite de sexta-feira bem igual a uma ruma de outras, nada de lua cheia, nada de zuada estranha, nada de nada. Mas se bem que era pior, juro por Deus. Um silêncio tão barulhento que chegava a doer nos ouvidos. Sacudi a cabeça, tentando varrer o restinho daqueles pensamentos e me cheguei bem rente ao portão velho. E empurrei. A ferrugem se esfarinhou na minha mão. E eu esfreguei as palmas na calça surrada. Era tanto silêncio que a casa vazia respondeu. Será que era ela? Ou era eu? - Respondeu o meu juízo. Dez da noite. Dez da noite de uma sexta-feira e eu sozinho na beira duma casa velha, me fiando apenas num sonho que eu tive noite passada. Diga aí. Cumpade Maneco sentado no pé da minha cama, todo coberto com a fumaça daquele cigarinho de palha que ele não tirava do canto da boca nem pra tomar banho. Tão real, tão bem contadinho que eu agüentei não. Acordei ainda com o cheiro do fumo perfumando o quarto e o caminho fresco na minha cabeça. Sete passos do juazeiro. Foi o que eu fiz. Cheguei na frente da casa e contei direitinho. “Quando tiver rente a ele, pare. Vire pra esquerda e conte sete passos, nem longos, nem curtos.” Contei, sentei. E cavei. Com a mão, do jeitinho que ele mandou. Num instante senti foi um negócio de barro meio gelado. Agoniado, eu forcei a areia seca daquele quintal e vi. Só foi ruim pra abrir. Nem porquê tivesse emperrado não. Minhas mãos é que andavam tremendo com a gota.
Mas nem bem vi as moedas brilhando mais que espinhaço de pão doce, quando senti. Em pé, atrás de mim. Respirando grosso, me pedia o que era meu. Quase chorando. Tive até um pouco de pena, sabe? Mas disse não. Aí se danou. Ciscou, berrou feito porco moribundo numa voz que eu tinha ouvido era nunca.
E as pernas já não conseguiam mais ficar juntas não.
Foi quando me lembrei do conselho de Maneco. Vão querer tomar o que é teu. Mas aí você fica firme. Não dá de jeito nenhum teu tesouro. Teu.
Demorei um pouco pra contar, mas foi pra você entender direitinho.
O lugar tu já sabe. Sei que tu sabe. Vai lá na sexta agora. De dez horas. Nem mais nem menos. E faz o que eu fiz.
Vai aparecer pra tu. Vai querer o que é teu. Vai te prometer um bocado de mentiras. Mentira sim! Escreve o que eu tô te dizendo.
É só tu ser forte.
Porque eu tô aqui. E vou ajudar você.
É só tu ser forte. Forte como eu não fui.
Sabe que eu ando tendo uns pensamentos esquisitos? E se não era Maneco no meu quarto? Se não era ele me mandando fazer essas coisas?
Ah! Melhor é deixar pra lá, sabe? Tem coisas que a pessoa explica não.
Ando te esperando, tu sabe onde, tu sabe quando. E tu sabe o que fazer.
Agora....
Acorde.